Ia ouvir Azevedo Silva na TOCA (Taberna Ocupada p'la Cultura da Amadora), que ainda por cima ia ainda interpretar temas de Jeff Buckley (visto ter participado num tributo ao mesmo e algumas pessoas, incluindo eu, lhe terem pedido para repetir a proeza).
Além de me ter perdido na Amadora, ter andado quase até Queluz (ou Belas?) para ter percebido, quase em cima da hora marcada para o concerto, que a TOCA era mesmo perto do meu ponto de partida, estava preparada uma enorme surpresa.
Entrei. Ouvi o Azevedo no ensaio, fui lá ter, à salinha dos fundos. Estava meio deserto o sítio, mas por pouco tempo. Passava da hora quando um rapaz começa a apresentar o programa das festas. Íamos ver um documentário. Ok, pensei, nada de mal, demora vinte minutos, o concerto começa um pouco atrasado, mas nada de mais. Pois...
Documentário sobre os mesquinhos e horríveis israelitas, sobre como cometem atrocidades ao palestinianos. Muito explícito, muito fora da mainstream. Uau. E a massa de cabeças adensa-se sobre o portátil onde as imagens se sucedem em catadupa. Vinte minutos, o tanas! De repente, ao ver o logo do Windows, a expressão que me deveria ter alertado: "Windows? Porco capitalista?!". Adiante.
Terminada a sessão, vamos então abrir a conversa (e o Azevedo a olhar fixamente para as duas guitarras que o esperavam, tal como eu, surpreendidas).
Rapaz 2, de boina à parisiense. Engraçadinho, bem falante, certamente estudante de sociologia, dada a forma de falar, ou não fosse eu psicóloga e filha de um sociólogo. Apaixonado e arrebatado, cego e convicto das suas palavras, "não podemos pôr em pé de igualdade agressor e agredido", "deveria haver um estado único, laico, a culpa é da religião", "isto toca-nos a todos". Etc.. Continuo calada, mas a pensar que se me tivessem avisado do debate, ter-me-ia preparado.
Rapaz 3, minimamente moderado, acentuou que "corremos o risco de simplificar as coisas", "nem todos os bombistas suicidas são pais destroçados que perderam filhos para os israelitas", ao que acrescenta "(ser bombista suicida) é justificado nesses casos".
Não me calei aqui. Lá disse que não só estavam (e não "estávamos") a simplificar as coisas, que a raiz de tudo não era a invasão israelita, que se queriam criticar invasores, olhassem primeiro para os próprios umbigos da história, etc., e que a solução certamente não passaria por criar dois estados separados utópicos, blá, blá.
Falaram quatro ou cinco pessoas, eu fui a única forasteira a participar. Devia ter ficado calada, porque gastei a minha saliva e o meu português.
Finda a conversa, era tempo de se calarem todos e de ouvirmos, finalmente, aquilo que me tinha levado à TOCA (ou seria covil?). Mas não. Siga uma tertúlia de poesia. Três pessoas falaram, incluíndo o tal da boina. Aí soube que estava na Francisco Foreiro, em plena reunião magna. É que este moço só leu cartas de comunistas presos, revolucionários, etc.. Belas e sentidas, sem sombra de dúvida. Inconformadas de espírito. Mas que sabe este paspalho, ou que sei eu, para compreender, na totalidade, a angústia de quem é preso, torturado, garrotado, por ideais???
É esta a nova geração da esquerda. Radicais, fechados, absursos, intelectualóides, obscuros, clandestinos, arrogantes, orgulhosos. E que atrasou tanto o concerto do Azevedo que tive de me vir embora sem o ouvir.
Para quem é de esquerda, senti que retrocedi no tempo. E falam, falam, mas não fazem nada (e ainda bem!). E criticam e conspurcam os ideais em que acredito. Capitalistas? Poetas? Aquilo? Aqueles? Aqueles são o estereótipo da esquerda que leva a que se creia que a esquerda nunca poderia governar. Esta esquerda, não.
Não fosse ter chegado a casa e ter ouvido as notícias do pugilato ágil entre LF Menezes e LM Mendes, tinha concluído que a minha postura política estava prestes, prestes, a sofrer uma rotação. Rotaçãozinha.
Pus-me a ouvir o Azevedo...
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